Através de uma Janela

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Através de uma Janela - Excerto Do Livro

O Vidente

2001

Mela folheou as páginas da última crónica, buscando o dia anterior a este. As páginas quadradas apresentavam padrões de estrelas e mudanças climáticas dos últimos cinco anos. Outro livro mantinha as de cinco anos antes disso. Ainda outros livros possuíam registros semelhantes desde que o povo tinha inventado um cinzel para marcar permanentemente as pedras. Na caverna, Mela estava cercado pelos registros dos séculos, um ciclo repetitivo de eventos.

Esta noite marcava a primeira noite do novo Katak, o novo ciclo de cinco anos. Este dia era muito especial, pois a Grande Face iria aparecer no céu, pela primeira vez desde o último Katak. Durante oito dias, ela iria brilhar sobre eles em completa glória dourada e azul.

Todos na aldeia prepararam suas ofertas. Quando os sóis se poram, eles reuniram-se no topo da colina rochosa para testemunhar a Emergência. Debaixo do horizonte sul Ela subiria, enchendo a escuridão com sua luz, tão grande que parece esconder o céu coberto de estrelas atrás dela. Os moradores se reuniram para honrar sua presença, para agradá-la e lembrá-la de que dependiam dela para levantar os mares, para que as chuvas pelos próximos cinco anos, viriam no tempo certo. Sem a subida das marés, as nuvens de chuva viriam tarde demais e o calendário dos plantios seria perdido. Por mais de mil anos, o povo plantou com esta programação, cultivando os alimentos úmidos no primeiro ano, os alimentos secos no ano seguinte, e os alimentos gramíneos no último ano. Estavam ansioso pelos alimentos úmidos novamente, os melões molhados e os frutos suculentos. Todos os moradores se esforçavam para manter a Grande Face feliz.

Mela testemunhou sua Emergência dez vezes antes. A Face veio sem falhar e nunca expressou desagrado que ela conseguia se lembrar. Esta noite seria a 55ª de Mela. Compartilhar seu nascimento com a visita da Grande Face destinou-a a ser a detentora das Crônicas. Ela começou seu treinamento em uma idade precoce para escrever os caracteress e esboços e interpretá-los para os moradores. A última detentora havia sido uma velha sábia que a ensinou a estudar o passado para prever o futuro. Mela estudou os padrões que afetam as safras agrícolas. Ver o sol através de um buraco de agulha  pode anunciar seca e um show espetacular de luzes ondulantes no céu ao entardecer. Caminhar ao longo do abismo a ajudou a sintonizar seu corpo com Chasarc, o próprio planeta. Ela podia sentir a vinda de um terremoto pelo soar em seus ouvidos. Mela aprendeu muitos segredos de ser uma guardiã de registros e descobriu que o trabalho exigia mais do que gravar os eventos que aconteceram. Ela tornou-se responsável por eventos que aconteceriam

A porta de madeira que ajudou a selar a caverna cedeu um pouco mais para admitir a entrada de seu amiga Bena.

Ele deu um sorriso cheio de dentes quando entrou. — Bem-aventurado Katak e abençoado aniversário para você, Mela. Que você viva muito e bem. Então ele entregou-a um amontoado de pano macio. — Eu trouxe um presente para você. Não te preocupes. Não é algo que a Grande Face iria querer.

Desacostumada a recebr presentes pela ocasião, Mela ponderou o pacote boquiaberta. Sua língua se contraiu, rosa, dentro de sua boca enquanto ela se esforçava em encontrar algo para dizer.

— Você devia esperar até a passagem. Nossas energias devem concentrar-se na Emergência. Essas foram as palavras certas a dizer, mas falá-las em nada diminuiu a sua curiosidade sobre o que o pano escondia. Ela acariciou a maior parte do objeto com os dedos grossos.

— Eu sei, mas eu não podia esperar. Isto é tão emocionante! Sinto que este Katak será o melhor de todos! Bena levantou-se na ponta dos pés redondos, enquanto falava. Sua emoção parecia genuína.

— E o que te dá essa sensação, Bena? — Ela perguntou com os dentes descobertos em um sorriso torto. Desembrulhou o pacote e começou a desenrolar o pano na mesa de escrita.

— Apenas um formigamento em minha cauda, ​​eu acho. — Ele saltou na ponta dos pés, as mãos enfiadas nos bolsos da túnica.

O presente estava pesado, possuía uma forma cilíndrica, e forjados de liga, um metal misto de que eles não têm muito. Liga era muito ineficiente para fazer em quantidades úteis. Um pedaço de vidro fechava cada extremidade do tubo.

— O quê é? — Ela rolou o objeto em toda a superfície da mesa com o toque delicado de uma garra.

— Eu chamo a de vidente. Isso faz as coisas parecerem estar mais próximas ou maiores do que realmente são, — ele explicou.

— Onde você conseguiu isso? — Mela segurou o tubo cuidadosamente  em frente de si mesma, sem saber o que fazer com ele.

— Aha e eu a montamos juntos. Nós inventamos acidentalmente, na verdade. Mas é surpreendente ver. As coisas ficam incrivelmente enormes! Podemos ver o óleo na pena de um pássaro com ele. Você pode usá-lo para seus estudos. Vai usá-lo melhor do que eu. Eu só queria fazer uma caldeira para Arva. Você vai pensar em todos os tipos de usos para ele, tenho certeza. Vá em frente. Experimenta.

Bena teve que a mover fisicamente para que apontasse o dispositivo em uma página de seu livro para observar. Ela olhou para baixo do tubo, em seguida, levantou a cabeça para olhar para a página sem auxílio do objeto. Olhar através do vidro fazia o papel parecer como se estivesse ao lado de seu olho. As marcas de tinta eram enormes. Ela podia ver a textura irregular da fibra de papel como a terra arada.

— Bena, isto é surpreendente! — Mela estalou. — Eu posso ver tantos detalhes. — Sua mente imediatamente se inundou com idéias para usos do dispositivo. — Explique-me como isso funciona.

— Mas eu não tenho certeza do porquê. Eu pretendia usar o vidro para focalizar luz solar para ferver a água. Aha e eu descobrimos um dia que vidro curvo cria pontos brilhantes quando a luz solar brilha sobre ele. Começamos pequenos incêndios com o calor. Achamos que poderíamos poupar tempo juntando madeira se pudéssemos cozinhar com este calor. Nós ainda não descobrimos muito como fazer uma engenhoca funcionar dessa maneira.

Lá fora os sinos soaram. Chegava a hora de se juntar aos outros para recepcionar a Grande Face, hora de um novo livro ser abençoado pelo povo para manter a sua história. A cerimônia iria começar em alguns instantes para que a primeira noite da passagem pudesse ser gravada e a celebração começasse.

Mela pegou o livro antigo, a caneta e tinta. Então ela pegou o vidente, deslizando-o em sua bolsa de cintura.

A Grande Face estava chegando.

Os sinos silenciaram e uma batida rítmica suave assumiu. A última das oferendas foi colocada no ponto mais alto da colina, para deixar a Grande Face se banquetear.

A encadernadora chegou à frente da multidão, onde Mela estava..A anciã sênior, a única mulher que tinha vivido vinte e um kataks, veio para a frente também, tomou a nova crônica e a antiga e, com alguma ajuda de seus braços sem carne, segurou ambos pelas encadernações. Com sua voz rouca de anos de oração, a mais antiga esperou o momento certo para falar, assim que o primeiro pedaço da Face emergisse no horizonte.

— Oh Grande Face, Andarilha dos Céus, nós a recebemos novamente em nossos céus. Nós vivemos pela sua graça e morremos por sua graça. Dai-nos a sabedoria e a virtude para agradá-la para que volte a sorrir sobre nós.

Os sóis finalmente desapareceram, deixando apenas o brilho fantástico da esfera dourada que levantava-se ainda mais em vista.

— Grande Face! — os aldeões saudaram alto em uníssono.

Mela aceitou o novo livro com uma reverência graciosa. Ela tomou um lugar perto das oferendas com a pena para gravar os primeiros símbolos da nova Katak. Sua mão estava treinada agora. Lembrou-se de sua primeira emergência como gravadora, como sua mão tremia, com medo de que mancharia a tinta. Ela gravou os detalhes da primeira noite da passagem, incluindo uma lista de itens oferecidos, as posições das estrelas para os pontos de referência no horizonte, bem como as atitudes das pessoas nesta celebração. Ela observou a condição mais favorável da noite, as nuvens que se formaram a oeste. As chuvas viriam no tempo certo e as colheitas iriam florescer.

Terminando, Mela começou a perscrutar a vidente que havia recebido. Ela mirou a engenhoca para as nuvens tênues, mas o céu estava muito escuro para vê-los claramente. Ela apontou para os aldeõs enquanto eles começaram a dançar em celebração. Tocadores de corda juntaram-se aos bateristas. Garrafas de vinho circularam. Ela podia ver os bebedores e assistir o vinho escorrer na face de Bena.

Ela tinha visto tudo isso de perto o suficiente ao longo dos anos.

Ela decidiu apontar a lente de aumento para a Face. Que melhor maneira de observar o seu visitante do que ver um pouco mais perto!

O brilho cegou seus olhos no primeiro olhar e a fez lacrimejar. Ela se acostumou à intensidade após alguns momentos.

A superfície parecia diferente de perto, mais detalhada. Ela podia ver montanhas como as que havia perto da aldeia. O azul parecia mais água do que qualquer coisa. Mela tinha visitado o oceano uma vez quando era mais jovem. Este azul lembrou-lhe dessas águas. Linhas pretas estavam gravadas na superfície do rosto como as rugas no seu próprio.

A parte inferior do rosto estava na sombra, apenas uma pequena parte. De todos os kataks que tinha testemunhado, Mela não se lembrava de uma sombra dessas . Ela olhou para a lasca de madeira escura, com sua nova habilidade. Não esperava ver as pequenas picadas de brilho, como estrelas. Será que aquela parte do rosto sido comida? Foram as estrelas por trás dela?

Não, ela julgou. Essas estrelas não existiam. Ela manteve os registros das estrelas durante a maior parte de sua vida. Quaisquer novas luzes no céu seriam reconhecidas. Luzes. Ela pensou em como a vila manteve chamas queimando à noite para manter predadores longe. Fogueiras. Essas manchas pareciam intensas fogueiras em uma vila a noite.

Ela balançou a cabeça um pouco e abaixou a engenhoca. Decidiu que iria se juntar a celebração, tomar um pouco de vinho de seu povo e tentar dissipar tais pensamentos ridículos de sua mente.  

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Lá estava ela. Timus. Cinco rotações atrás, eles tinham passado pelo planeta irmã. Cinco rotações atrás, eles começaram a planejar para esta missão. Os engenheiros se concentraram em projetar uma nave que iria transportar uma tripulação de sete para o único planeta que passava perto o suficiente para causar surtos nos mares, ondas que afogam as montanhas e repleto de antigas crateras  cheiasde água salgada que antes eram secas e ficavam a  milhas de distância da costa. Ao longo de duas rotações eles combinaram todos os recursos possíveis para montar essa nave. Do metal do casco até os comprimentos de fio que podem se estender até outro lado do mundo, aos assentos almofadados no cockpit e as camas nos quartos de dormir, mãos ansiosas deram atenção à construção.

Por duas rotações a tripulação treinou. Eles aprenderam as habilidades técnicas para operar os sistemas da nave,passando por inúmeras simulações. O condicionamento físico preparou seus corpos para as forças esperadas de se libertar de gravidade e, em seguida, entrar novamente. Trajes foram concebidos para conter atmosfera para eles individualmente no caso de a atmosfera de Timus ser prejudicial. As sondas transmitiram informações de que Timus era quase idêntico ao seu planeta, mas sondas podem dar defeito.

Glace, a líder deste grupo, olhou para o horizonte quando o rosto sempre sorridente de Timus começou a subir. Ela segurou seu capacete de vôo debaixo do braço, preparada no traje cintilante a bordo daquela nave em direção a Timus. A nave esperou na plataforma de lançamento próxima, uma forma cónica inclinada em direção ao céu.

— Está pronta?

A voz pertencia a Vantri, o único piloto capaz de pilotar melhor que Glace— exceto desta vez. Sem ressentimentos. Ambos foram escolhidos para ir nesta missão. Eles eram os melhores. Também eram amigos.

— Estou pronta desde o ano passado.

— Esse é o espírito! — Vantri deu um breve aceno e um sorriso. Ela virou-se para sair. Um ônibus esperava para levá-los para a plataforma.

Glace não se moveu imediatamente. Percebendo a demora, Vantri deu um passo para trás. Suavemente, ela perguntou, —  Você compartilharia seus pensamentos com um amiga?

—  Com você, Vantri. Às vezes, eu não acredito que isso está acontecendo. Eu voei muitas embarcações para muitos destinos. Fiz voos mais perigoso do que o que este parece ser. Então, por que eu tremo por dentro? Meus músculos parecem neve derretida. Nós vamos a Timus! Em vez de ficar orgulhoso, estou com medo.

— Glace, nós somos os primeiros a ir para Timus. Estamos autorizados a ter medo. — Vantri sussurrou as palavras como um segredo. "Agora, coloque sua cara de capitã. Se você está com medo, imagine como aquele homemzinho deve estar derramando todos os tipos de secreções corporais.

A imagem de seu mais novo membro da tripulação masculina deslizou na mente de Glace e a fez sua jorrar uma risada. Ela baixou a cabeça e esfregou a ponta do seu nariz grosso.

— Muito bem. Vamos lá.

Os outros esperavam a bordo do ônibus ao ar livre estacionado fora do complexo principal. Duas outras mulheres, tenentes de vôo, estavam sentadas casualmente nos assentos traseiros. Dois dos homens adotaram posturas semelhantes sem a atitude convincente. O macho mais jovem, seu pequeno gênio, estava encolhido no canto interno, as unhas sendo cortadas irregularmente entre os dentes afiados. Ele tinha vinte anos, recém-graduado da sua educação. Sua ingenuidade era ofuscada por suahabilidade de engenharia.

Glace ainda tinha dificuldade em aceitar que qualquer criador valia a pena o tempo que levou para educá-los em caracteres,ainda mais em manipulações numéricas de nível superior ou permitir que desenvolvam máquinas responsáveis ​​pela segurança. Ela tinha muito pouca utilidade para homens em geral. Pequenos catadores de catota.

Glace encarou o Engenheiro júnior até que ele nervosamente puxou sua mão da frente de sua boca e se endireitou em seu assento.

O motor elétrico do veículo cantarolou quando o motorista apertou o acelerador. As rodas giraram para fora dos portões em direção a plataforma de lançamento.  

++++

— O que você está olhando?

Bena entrou em sua cabana a beira da aldeia. Ele não era de bater, especialmente quando a porta estava aberta.

Mela brevemente tirou seu olho do vidente, mas não olhou para o amigo. Ela desenhava freneticamente em um pedaço de pergaminho. Ela voltou sua atenção para a lente de aumento e olhou atentamente.

— Mela? Nossa, Mela. Minha amiga, você não pode ficar tão absorta em o que quer que seja para não me notar.

Ela olhou para ele, ouvindo o tom de repreensão em sua voz. —  Bena, eu sinto muito. Não ouvi você entrar.

— Percebi. O que você está olhando com essa coisa? Está apontada para o céu. Espiando pela janela, tudo o que ele podia ver nessa direção era o céu laranja do crepúsculo, algumas nuvens espalhadas e a Grande Face.

— Nós nunca olhamos para a Face assim antes. Ela tem montanhas e mares de água e manchas de verde e ... e há luzes nas gargantas e as sombras.

— O quê? — Bena descreu, franzindo as sobrancelhas com força.

— Olhe para ela! Vá em frente. — Ela se levantou de seu banquinho e fez um gesto enérgico para ele investigar.

Bena revirou os olhos com incredulidade e inclinou-se para dar uma olhada. Mela tinha apoiado a vidente em um suporte para segurá-la no lugar, liberando as mãos para todos os esboços que tinha feito. Bena avistou uma coleção de papéis com tinta com linhas pretas que lembravam os mapas feitos da paisagem próxima. O que Mela fazia com mapas da terra? Esse não era seu dever. Sua finalidade era a gravação do almanaque.

Então ele olhou através do dispositivo que ele havia presenteado a sua amiga. Ele não gostava muito da ideia de olhar para a Grande Face. Ela deveria ser reverenciada, admirada e respeitada. Não estava em posição de estudá-la. Ela exiswtia. Eles não precisavam saber o porquê.

O azul e ouro do rosto apareceu ligeiramente nublado sob a atmosfera iluminada pelo sol. Tudo que Bena podia ver eram as formas e sombras que davam a Face sua expressão. Ela sorria hoje.