Milhas Para (Os Mistérios de Mo Gold e Birdie Livro 2)
Traduzido por Rebeca Rodrigues Vargas e Souza
Resumo do livro
Mo e Birdie enfrentam um caso difícil em "Milhas Para", investigando o assassinato de Mendel Black, um conhecido do passado de Mo e marido de sua antiga paixão, Miryam. À medida que a dupla desvenda segredos sombrios, Mo é forçado a confrontar seus próprios dilemas pessoais enquanto tenta capturar o assassino.
Trecho de Milhas Para (Os Mistérios de Mo Gold e Birdie Livro 2)
1: Toronto 1961
O punho enluvado fez um arco para cima flutuando em minha direção em câmera lenta. Hipnotizado, eu olhei impotente. Meu corpo parecia ter se desligado e aguardado o inevitável. O punho explodiu contra meu queixo. Eu cambaleei com pernas gelatinosas espremendo o ar através das costelas machucadas. Meus braços pendiam flácidos em meus quadris. Muito pesado. Tão pesado. Uma doce dobradinha no estômago destruiu qualquer vida que me restasse. O mundo ficou escuro e tonto. Em algum lugar abaixo do cinto, senti meus joelhos dobrarem. Lentamente, eu me encolhi na lona. A vida desapareceu. A respiração assobiou de minhas narinas, rugindo em meus ouvidos – um velho resmungo em uma viagem à fábrica de cola.
Sully ficou em cima de mim e olhou para baixo. "Patético", disse ele.
Meu parceiro de negócios, Birdie, riu, mas não comentou.
— Obrigado — eu ofeguei. — Isso foi ótimo — . E tentei me empurrar parauma posição sentado, mas caí para trás.
— Pare com os cigarros e venha para a academia com mais frequência — Sully vociferou. — Então nós vamos realmente colocar você em forma. Não seja idiota.
Para me ajudar, Sully jogou um balde de água gelada na minha cabeça.
— Jesus — eu engasguei. — Você não precisava fazer isso.
— Sim, eu precisava — Sully respondeu.
Sully veio de Galway e foi um sério candidato aos pesos médios em sua época. Agora ele administrava sua própria academia na King Street. — Tome uma chuveirada Mo antes que eu te bata de novo.
— Estou pronto — eu murmurei. Birdie deu uma gargalhada. Por alguma razão, ele gostou de me ver humilhado.
O telefone do escritório de Sully tocou. Ele se virou para atender. Chamei de escritório, mas consistia em uma mesa de metal encostada em uma parede perto do ringue. A essa altura, consegui levantar a cabeça da tela. Olhei para Birdie, que sorriu enormemente, então balançou a cabeça me dando sua expressão tsk-tsk.
—Obrigado pelo apoio — eu disse e cambaleei. O mundo girou ao meu redor.
—De nada —respondeu ele.
Sully voltou. Ele me jogou uma toalha.
— Aquele era Callaway — disse ele. — Você é requisitado.
Quando a polícia liga, você tem que se mexer. Eu manquei para os chuveiros. Dez minutos depois, saí do vestiário pronto. Pelo menos, acho que estava com as calças do jeito certo.
O Chevy estava estacionado no meio-fio. Enquanto caminhávamos em direção a ele, acendi um Sweet Cap. Chamando a atenção de Birdie, eu disse — Não conte ao Sully — . Destranquei o lado do motorista, deslizei e apertei o botão. Birdie dobrou seu corpo de 1,90m no banco do passageiro. Minha cabeça tinha apenas começado a clarear.
Birdie deu uma olhada.
— Estou bem — respondi. — Eu só vejo três de vocês.
Birdie grunhiu.
—Relaxe — . Liguei o motor e me afastei do meio-fio. Um motorista de domingo, dois quarteirões adiante, buzinou irritado.
Era um início de noite no final de maio, quase anoitecendo. Abaixei a janela e senti o ar quente entrar. — Para onde vamos?
Birdie leu o endereço que ele anotou enquanto eu estava me limpando. Eu empurrei um pouco.
— O que ele está fazendo na cidade de Yid? — Eu perguntei.
Birdie deu de ombros. — Acho que vamos descobrir em breve.
2: Toronto 1961
A Baldwin Street guardava lembranças sombrias para mim. Sendo que também havia feixes de luz. Parei em frente ao número 92. Uma pequena multidão se reuniu do lado de fora. Um dos policiais da ronda tentou enxotar os chapéus escuros e os ternos azuis de volta para o meio-fio para limpar o caminho que levava a casa. Um típico vitoriano geminado em uma rua cheia do mesmo. Terreno estreito, três andares, ostentando escadas de carvalho rangentes no meio, quintal profundo. Construído de forma robusta e feito para durar. Varanda superior para a família que mora no segundo andar. Era assim que as pessoas viviam, como se nunca tivessem saído do velho país. Embaladas juntos, amontoadas contra as probabilidades, resistindo às tempestades da vida. Dois rapazes oraram no canto do pequeno jardim da frente. Eles baixaram a cabeça e balançaram, murmurando febrilmente baixinho. Sob coletes escuros, os talits balançavam e dançavam.
— Oi — disse Birdie.
— Você pode dizer isso de novo.
Olhares hostis se transformaram em lampejos enquanto caminhávamos pela calçada. O policial de ronda parecia confuso. Seus olhos se arregalaram quando nos aproximamos. Espectadores engrossaram ao nosso redor. Sons guturais encheram o ar.
Nós paramos. Birdie varreu os vizinhos intrometidos com seu olhar mortal e parecia que alguns deles realmente se encolheram como se tivessem sido amaldiçoados. Eles nunca tinham visto um negro grande de perto antes. Eu me virei para o policial.
— Callaway mandou nos chamar.
O policial assentiu e fez um gesto com o polegar, depois deu um passo para trás para nos deixar passar. Enquanto passávamos, os curiosos e enlutados surgiram em direção a ele preenchendo a lacuna.
No corredor, Birdie disse —Essa é uma das melhores recepções que já tivemos.
— Pelo menos ninguém cuspiu em nós —respondi.
— Para variar — Birdie explodiu.
O odor me atingiu com força. Aquela combinação de gordura de frango, naftalina e óleo de cabelo. Me catapultou para o passado, onde eu não queria ir. De repente, tive um mau pressentimento sobre isso.
— Por que estamos aqui? — Eu disse baixinho como se estivesse falando comigo mesmo. Birdie me deu um olhar estranho.
— Finalmente — disse Callaway, enfiando a cabeça para fora da cozinha. Olhei para a escuridão, seguindo o comprimento do corredor e andei como se tivesse trilhado um caminho familiar. Idêntica a casa onde cresci. Idêntica a casa onde todos os outros que eu conhecia cresceram. Callaway acenou. — Aqui embaixo — disse ele.
O inspetor Callaway virou as costas largas — um homem cinza de terno cinza com cabelos grisalhos segurando um chapéu cinza. Ele havia perdido seu parceiro, Roy Mason, no ano passado. Mason levou um tiro na testa durante uma operação que deu errado em Christie Pits, um parque local e cenário de um comício fascista nos anos anteriores à guerra. Ninguém se ofereceu para ocupar o lugar de Mason, então Callaway trabalhou por conta própria. Eu o conhecia dos meus anos de homicídio. Um bom policial. Honesto. Isso dizia algo. Pensar em Mason – inclinado como um advogado procurando por uma esmola ou melhor, um político dizendo a “verdade” – me fez pensar no meu velho, Jake Gold.
Atualmente encarcerado na Penitenciária de Kingston. Eu ajudei a colocá-lo lá. Ótimas lembranças. Mas quem eu estava enganando? Mais à frente.
Na cozinha, entramos em uma cena de máfia.
Dois uniformes guardavam a entrada, caso alguém tentasse roubar os picles de dentro da geladeira. Eu vi os sapatos primeiro, brogues pretos gastos, um chiclete achatado passado a ferro no calcanhar esquerdo, Bubblicious, eu acho. Em seguida veio um par de pernas abertas vestidas com calças escuras e brilhantes. As pernas da calça subiam por suas panturrilhas expondo veias azul-claros perto da superfície da pele. As abas do paletó barato, abertas, as bainhas da camisa puxadas para cima, expondo um torso de carne pálida e flácida. Um técnico criminal e o legista pairaram sobre o corpo. Dois homens à paisana se posicionaram na cabeceira do cadáver com as costas largas voltadas para o balcão da cozinha. Logo atrás deles, pude distinguir uma alcova que se estendia para o resto da casa. Olhei ao redor da cozinha. Isso me lembrou da casa da minha avó. Piso de linóleo cinza e ceroso. Ao lado, uma mesa de cozinha de metal dobrável com quatro cadeiras de encosto duro. Armários quadrados pintados de branco ficando amarelos por causa da gordura de cozinha. À minha esquerda, a porta da varanda dos fundos levava ao pátio estreito. Com tantos corpos no caminho, a temperatura naquela sala próxima subiu e comecei a me sentir úmido. Olhei para Birdie, que permaneceu impassível, vigilante e frio. Talvez tenha sido o passado que me fez sentir enjoado.
Voltei minha atenção para o cadáver. Um homem jovem com uma barba aparada, óculos de aros de metal tortos nas bochechas, os olhos arregalados de surpresa e talvez de realização. O tipo que veio tarde demais. O rosto rechonchudo, a boca pequena, quase delicada e bem aberta. Vi algumas obturações de ouro nos molares posteriores. O cabo de osso de uma faca saía de seu peito, a lâmina enterrada em seu coração. Um golpe formidável. O paletó e a antiga camisa branca haviam encharcado o sangue, sendo que havia o suficiente para derramar e respingar no chão. Estranho, semtalit. Naturalmente, eu o reconheci. Mendel Black. Um Putz Classe A.
— Bom trabalho — eu disse. Birdie grunhiu.
— Essa é uma maneira de colocar isso — disse Callaway.
— E a outra?
— Uma bagunça — ele respondeu. Olhei para Callaway com curiosidade, prestes a perguntar o que diabos estávamos fazendo lá quando uma voz áspera ecoou meus pensamentos.
— Quem chamou ele? — Todos os policiais na sala, o técnico criminal, o legista, eu e Birdie, nos viramos para ele. Uma voz que esfolava os nervos, com garantia de arrepios. Ele estava emoldurado na porta, apontando um dedo acusador em minha direção. — Nós não o queremos aqui, você entende? Tire-o. —Ele poderia ter sido o cadáver no chão. Um pouco mais alto. Um pouco mais magro, sendo que com a mesma tez pálida, a mesma barba aparada, óculos de aro metálico, um terno azul barato idêntico, talit pendurado abaixo da bainha do paletó. A única diferença? Uma marca de nascença vermelha em forma de estrela na testa. Ele usava o chapéu baixo para cobri-lo. Ele tentou se pressionar entre os dois policiais, mas eles não se moveram, bloqueando-o com seus braços grossos e ombros largos.Ignorei a intrusão no momento. — Ele não está usando seu talit.
— O que? — Callaway parecia intrigado.
— Olha — eu disse e apontei para o falastrão. — Pendurado abaixo de sua jaqueta. — Callaway se virou para olhar, então olhou de volta para mim.
— O que eles são?
— Conhecido como um tzitzits. Um lembrete das obrigações religiosas de um judeu. Ordenado por Deus para prender essas talits nos quatro cantos das roupas usadas — respondi. — Eu deveria dizer, que os homens usavam.
— Hipócrita — a voz áspera gritou. — Hipócrita. Saia daqui. Nós não queremos você. Ninguém perguntou por você. Schlemiel. Dreck. Fora.
— Ainda o falastrão, Avrom — eu disse. Não formulado como uma pergunta. Seus olhos escuros ficaram mais negros por trás dos óculos e se os dois policiais corpulentos não tivessem bloqueado seu caminho, ele poderia ter vindo até mim. Ainda assim, o sangue ruim borbulhou. Birdie se endireitou e deu um passo à frente.
— Você acha que pode intimidar com seu schvartze? Seu próprio dybbuk? Vergonha. Você devia se envergonhar —. No entanto, Avrom recuou permitindo que os policiais o protegessem da presença de Birdie.
— Eu pedi por ele — uma voz rouca entrou, protegida pelos policiais na porta. — Deixe-me passar.
Avrom e os dois policiais se viraram, abrindo uma passagem para a cena. Eu tenho um olhar limpo.
Eu olhei. Talvez, eu fiquei boquiaberto. Eu não ficaria surpreso se minha boca ficasse aberta.
— Olá Mo — ela disse. — Faz muito tempo. — Sua voz cantava café preto e cigarros.
Os tubos na minha garganta rasparam, mas algum som escorria. — Miryam? — Jesus. Poderia ficar pior?
Callaway e os policiais me olharam com curiosidade. Os olhos de Birdie percorreram o teto baixo que parecia estar cerca de sete centímetros acima de seu nariz arrebitado. Avrom, irmão de Miryam, continuou a encará-lo.
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